Direito

A Lava Jato e a busca por advogados éticos


Passados três anos e meio do início dos trabalhos investigativos e punitivos vinculados à Megaoperação Lava Jato, podemos dizer que já é possível verificar alguns de seus impactos em diversos setores, sobretudo os setores das estatais, o das empreiteiras e o da classe política em geral. Melhor falarmos em “impactos”, pois ainda é muito cedo para dizer que a Lava Jato mudou comportamentos e atitudes dos diversos atores investigados de modo amplo e generalizado por envolvimento direto ou indireto em fatos relacionados a práticas de corrupção.

Um dos impactos mais visíveis: as eleições municipais de 2016 sinalizaram certa preocupação dos brasileiros em buscar vereadores e prefeitos dotados de um perfil diverso dos anteriores, sobretudo se estes estavam envolvidos com os fatos investigados, não somente na Lava Jato, mas nas inúmeras Operações contra a Corrupção no formato “Força-Tarefa” que se multiplicaram depois da Lava Jato. Assim, apesar das dificuldades em atualmente se encontrar novas lideranças, emergiram prefeitos da classe “gestor não político”, e vereadores – muitos deles jovens – oriundos de movimentos sociais e populares que passaram a integrar novos partidos e novas legendas que representam algum tipo de compromisso mais forte, por exemplo, com pautas e bandeiras anticorrupção.

Estas mesmas operações também estão aos poucos revelando – ou pelo menos sugerindo, e por isso são fatos que devem ser minuciosamente comprovados – que Ministros e Conselheiros de Tribunais de Contas, Parlamentares, Governadores, Procuradores da República, Juízes, e até o Presidente da República estariam envolvidos de um modo ou de outro com fatos em tese qualificados como atos de corrupção.

Mas não é exclusivamente nas estatais, empreiteiras e na política que estamos ingressando em uma fase de transição institucional voltada a refundar a ética no Brasil. A Lava Jato e operações afins também vêm provocando drásticas mudanças na forma como a advocacia passa a ser exercida no país.

Nossa Constituição é de uma clareza solar quando estabelece que o advogado é um profissional indispensável à administração da Justiça, e por isso o Estatuto da Advocacia determina que “no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social”. Em virtude dessa especialíssima qualificação constitucional de uma profissão que, embora de natureza privada acaba por se equiparar a um serviço público, a legislação brasileira confere ao advogado uma série de direitos, deveres e prerrogativas, sendo um dos seus principais direitos “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia” (art. 7º , II, da Lei federal n. 8.906/94).

O problema reside no fato que estas Operações de Combate à Corrupção estão aos poucos revelando que advogados e escritórios de advocacia teriam ingressado no perigoso terreno da ilegalidade, pois estariam (a) exercendo atividades advocatícias, porém destinadas a apoiar, legitimar ou esconder práticas de corrupção de empreiteiras, políticos e empresários, e o que seria ainda pior, (b) sob o pretexto de exercer a advocacia, estariam em verdade praticando atos de corrupção, por exemplo, maquiando o pagamento de propinas para políticos, mediante a celebração de fictícios contratos de prestação de serviços advocatícios e emissão de notas fiscais frias.

Em primeiro lugar, cabe dizer que para o leigo, pode parecer estranho entender por que um advogado aceita defender os interesses de um “corrupto”. O que posso dizer, para além das regras que regulamentam o exercício da advocacia e que permitem ao advogado escolher o cliente e a causa que pretende patrocinar, é que nenhum político, empresário ou empresa pode ser considerado “corrupto” até que a Justiça validamente assim o determine. Não é a opinião pública quem condena, é a Justiça. E em segundo lugar, é preciso ressaltar que tal resultado somente pode ser alcançado após um processo em que lhes sejam assegurados direitos e garantias de defesa, e nesse processo a presença de um advogado é crucial.

O que pretendo registrar aqui é que nem a advocacia brasileira escapou de se ver obrigada a ter de realizar um necessário e autêntico “exame de consciência”, nesse momento de transição institucional e ético que vive o país. Obviamente a OAB está ciente disso, e dentro da legislação que regulamenta a profissão da advocacia – Código de Ética e Disciplina da OAB, inclusive – haverá de zelar pela observância não somente dos direitos e das prerrogativas dos advogados, mas também de seus deveres. É o que almejam tanto os advogados que cumprem com rigor técnico e ético a sua profissão, como toda a sociedade brasileira.

Por tais razões, atualmente existe uma intensa demanda no mercado pela contratação de advogados éticos. Porém, importa realçar que a “advocacia ética”, aquela que zela pelos padrões de lisura e de honestidade no exercício da profissão do advogado, geralmente vem acompanhada de uma alta capacidade técnica e relacional do profissional na área em que atua.

Em 2014, escrevi que “um novo perfil da advocacia em Direito Administrativo deve se estabelecer, muito mais afeito à técnica e menos dependente de um poder de influência social e política. Ou, no mínimo, ainda que não se diminua o prestígio aos advogados inseridos e influentes sob a perspectiva política e social, haverá uma maior valorização sobre a qualidade técnica desses profissionais”. (leia aqui o artigo)

Nessa oportunidade, concluo registrando que na era da Operação Lava Jato, forte é a demanda por advogados de um novo perfil: técnico, mas que seja íntegro; bem relacionado, mas que seja ético; zeloso de seus direitos e prerrogativas, mas também de seus deveres e de sua função social. Cabe-nos perguntar: mas eles existem? Tenho a certeza de que sim, existem. E são estes os verdadeiros “advogados do futuro”, mais um desafio geracional a ser enfrentado, e que devem ser os escolhidos para exercer a advocacia em casos tão espinhosos como são os casos que envolvem acusações e responsabilizações por atos de corrupção. Como reconhecê-los? Pergunte ao advogado de sua confiança. Afinal, como dizem os americanos, it takes one to know one… Ninguém melhor do que um advogado, para conhecer outro advogado.


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